As potencialidades da tecnologia de videovigilância com reconhecimento facial estão a ser testadas. Londres é o maior laboratório na Europa, numa altura em que ainda não há leis para acomodar estes desenvolvimentos.
Londres tem sido palco de testes para o desenvolvimento da videovigilância com reconhecimento facial. As câmaras já eram muitas, pelo que apenas com a atualização da tecnologia se pode obter uma cobertura mais inteligente. Mas além das questões de engenharia, mais fáceis de resolver, surgem as éticas: a legislação ainda não está preparada e é necessário refletir sobre o direito à privacidade dos cidadãos ou sobre os usos a dar à tecnologia, numa atividade que está a ser cobiçada tanto pela polícia como por empresas, para efeitos de marketing.
O número de câmaras inteligentes instaladas em espaços públicos e privados deverá aumentar exponencialmente em Londres nos próximos cinco anos, aponta um relatório do comissário britânico responsável pela videovigilância, Tony Porter. Londres já é a segunda cidade a nível mundial com mais câmaras instaladas – 420.000 – sendo ultrapassada apenas por Pequim, com 470.000. Distante, em terceiro lugar, fica Washington, com apenas 30.000. Na capital britânica, foram instaladas na sequência de vários ataques terroristas.
Nestas condições, Londres posiciona-se como um lugar privilegiado para testes, e estes têm acontecido. No último dia de janeiro, os cidadãos de Romford foram observados, sem o seu conhecimento, pela polícia britânica, que se escondeu atrás das câmaras e dos ecrãs. O objetivo foi de, no caso de serem identificados criminosos procurados, estes serem detidos de imediato. A polícia destaca a localização de criminosos violentos como um benefício que justifica os riscos de privacidade associados.
Contudo, o evento que merece destaque na peça "Como Londres se transformou num caso de estudo para o reconhecimento facial nas democracias", do Financial Times, é a detenção de um cidadão que, informado acerca da vigilância de que estava a ser alvo, optou por esconder as feições. Este foi intercetado pelas autoridades, acusado de não colaborar, e acabou a pagar uma multa de 90 libras por ter enfrentado a polícia com palavras rudes. Houve outras três detenções semelhantes no mesmo dia. Já no País de Gales, outro cidadão, Ed Bridges, levou as autoridades a tribunal por terem feito o reconhecimento da sua face sem consentimento por duas vezes, uma delas enquanto fazia parte de um protesto.
Entidades públicas, como os transportes londrinos ou a rede de hospitais também já aplicam esta tecnologia nas respetivas instalações. Nos transportes, tentam identificar-se indivíduos com comportamento suspeito, que aparentem apenas vaguear, ou objetos suspeitos. O município de Newham recebe mesmo alertas caso existam multidões a formar-se.
Casos mais graves de controlo registam-se na China, onde o sistema de videovigilância servirá para supervisionar uma minoria étnica, os muçulmanos uigur, um caso denunciado por ativistas de direitos humanos.
Marketing entra na rede
Mas fora as autoridades policiais e os Governos, há mais atores a querer tirar partido das potencialidades desta nova tecnologia.
Uma start-up tecnológica britânica, a Yoti, vai ter instalado em mais de 25.000 lojas de conveniência, durante os próximos quatro meses, um software de reconhecimento facial que pretende estimar as idades dos clientes. A Facewatch, outra start-up com a mesma origem, afirma que o seu software já foi testado por retalhistas nos últimos dois anos, e estará em breve operacional em 550 lojas londrinas. Esta empresa tem estado em negociações com a polícia para a partilha de dados.
As linhas que dividem público e privado no acesso à vigilância são cada vez mais difusas, assinala o Financial Times. Sistemas de videovigilância instalados em espaços públicos também são operados pelo setor privado, que concede depois acesso gratuito às imagens para aplicação da lei.
Legislação pendurada
A tecnologia acelera mas a regulação parece estar atrasada. Falta definir que dados podem ser partilhados com quem, e quem decide. "O parlamento está tão absorvido com o Brexit que não há apetite para mudanças na lei, mas não existe uma base legal. Estamos a pedir à polícia que teste e que mantenha os cidadãos seguros, mas sem qualquer liderança nacional ou orientações. É injusto para o público e para a polícia", comenta Peter Fussey, especialista em crime na Universidade de Essex.
O ministério público britânico pretende suspender todos os casos relacionados com esta tecnologia até que a regulação ganhe forma. Nos Estados Unidos, em cidades como São Francisco e Oakland, a opção foi banir o reconhecimento facial até que sejam estabelecidas regras.